COVID — 19 e isolamento social no Brasil: O que a Ciência nos mostra?
Atualmente, é possível identificar em todo mundo uma discussão importante sobre a efetividade do isolamento social para a contenção do número de mortes por COVID-19. No presente artigo, utilizo alguns artigos científicos para tentar entender as consequências dessa estratégia em alguns países desenvolvidos e no Brasil, no tocante às áreas da saúde e da economia. Todas as referências se encontram no final do artigo em uma seção correspondente. Alguns deles são de revistas renomadas e de acesso aberto, aproveite!
Isolamento social é efetivo para a diminuição do Número de Mortes por COVID-19?
Primeiramente, vamos analisar o contexto de impacto direto da doença.
Em relação à China, epicentro do vírus, um estudo feito pela Universidade de Oxford no Reino Unido (Kraemer et al 2020), indica que após o isolamento social, houve uma queda importante no número de casos. Especificamente, a quantidade de casos fora de Wuhan até 20 de fevereiro (data de implementação dos cordões de isolamento) podia ser prevista pelo volume de movimento, definido como as migrações que ocorriam em cada Estado, explicando 89% de toda a variação no número de casos (R² = 0.89), como é possível observar no gráfico abaixo:
Após essa data, tal correlação deixou de existir e o número de novos casos também diminuiu. Sendo assim, a conclusão final do estudo é que medidas drásticas de isolamento social contiveram a disseminação da COVID-19.
De maneira geral, o estudo de Hellewell et al (2020), publicado no The Lancet, simula cenários de transmissão com e sem isolamento social. Nele o tão importante achatamento da curva é introduzido e explicado. Este artigo está disponível gratuitamente na página do The Lancet.
Resumidamente, as conclusões são de que uma estratégia de isolamento social e rastreio das contaminações poderia amenizar a magnitude da pandemia ou, no mínimo, conseguir diminuir o pico de casos em troca de um tempo maior, possibilitando maior controle do surto.
É preciso lembrar que existem limitações importantes em ambos os estudos que são citadas pelos autores, como não ter considerado várias possibilidades de transmissão (Hellewell et al 2020) ou a impossibilidade de indicar claramente qual foi o impacto de cada estratégia na disseminação do vírus, no trabalho de Kraemer et al (2020). Outra limitação importante indicada por Kraemer, é a impossibilidade de prever o impacto do isolamento social na liberdade de movimento e na economia, algo que abordaremos em seguida. Sendo assim, no presente artigo, consideraremos o isolamento social como medida importante de contenção da disseminação do vírus.
Qual o impacto de crises econômicas na saúde pública?
Para essa discussão, é necessário entendermos como crises econômicas podem influenciar na saúde pública. Especificamente, vamos comparar o cenários de 1920–1940 nos Estados Unidos, de 2012 na Grécia e de 2016 no Brasil.
Primeiramente, vamos mostrar o caso mais antigo e, paradoxalmente, de maior sucesso. José Granados e Ana Roux (2009), pesquisadores da Universidade de Michigan, investigaram a mortalidade nos Estados Unidos antes, durante e após a Grande Recessão.
Eles não encontraram resultados significativos na mortalidade em nenhum período, aliás, a expectativa de vida aumentou durante períodos de recessão da economia entre 1920 e 1940. Somente a quantidade de suicídios aumentou no período de crise, mas correspondia a 2% de toda a mortalidade.
Na Grécia, em 2012, o cenário já não foi tão promissor. Laliotis et al (2016) investigou também a mortalidade, suas causas e indicadores econômicos. Comparando os períodos pré e pós crise, conseguiram estimar que 242 mortes ocorreram além do esperado por mês no período após a crise. O efeito positivo na mortalidade fica evidenciado abaixo.
Finalmente, em um artigo publicado no The Lancet, Hone et al (2019) investigaram as taxas de mortalidade de 5.565 municípios no Brasil antes, durante e após o período de recessão em 2016. Os resultados estão exibidos na figura abaixo. A posição do losango indica o tamanho do efeito da crise na causa de morte específica e as linhas, o intervalo de confiança. Quanto mais longe do centro, maior é o efeito, seja ele negativo ou positivo. No presente caso, a grande maioria das causas de morte que sofreram algum efeito, exibiram um aumento da ocorrência, indicando um efeito positivo do aumento do desemprego na mortalidade.
Entre outros resultados bastante interessantes, o estudo mostrou que brasileiros negros tiveram um aumento significativo em todas as causas de morte no período pós crise. Em contraste, o mesmo aumento significativo não foi identificado em brasileiros brancos. Mais especificamente, o modelo proposto estima que 31.415 de todas as mortes ocorridas em 2017, no período pós crise, foram em decorrência do aumento da taxa de desemprego. Além disso, só houve aumento significativo de mortes em pessoas negras, o que indica que a grande maioria das mortes em excesso em decorrência da crise de 2016 foram de negros.
Sendo assim, no presente artigo, consideraremos a ocorrência de crises econômicas como um problema de saúde pública para pessoas negras que, especificamente no Brasil, pode acontecer de maneira mais grave do que em outros países desenvolvidos. Além disso, de acordo com o modelo desenvolvido, um aumento de 1% na taxa de desemprego, significa mais 5.934 mortes no total, considerando uma população de 209,5 milhões de habitantes.
O que realmente importa na discussão?
Até a data de publicação desse artigo, 22.013 mortes já ocorreram em decorrência da COVID-19 no Brasil e ainda ocorre a estratégia de isolamento social, com boa parte da economia paralisada. A triste estimativa atual é de 64 mil mortes no total até o dia 9 de Junho, no pior cenário (Menezes et al Pre Print — não exposto a revisão por pares).
Em relação à taxa de desemprego no período pós COVID-19, já foi estimado por pesquisadores da FGV, divulgado em uma matéria da CNN Brasil (link abaixo), que poderá chegar a 17,8 %, no melhor dos cenários, em contraste aos 11,9 % do período pré crise (2019). Considerando esses 5,9 % de aumento no desemprego, o total de mortes causadas pela crise econômica seria de 35.010. No pior cenário, o desemprego chegaria a 23,8 %, causando 70.614 mortes após 2020.
Conclusão
Em todo o mundo, crises econômicas causam um aumento no número de mortes. No Brasil, tal efeito parece ser mais grave e atingir principalmente pessoas negras. Especificamente, utilizando-se de modelos existentes, a estimativa de aumento da mortalidade em decorrência do aumento do desemprego é comparável ou até maior do que as mortes por COVID-19. Sendo assim, se faz necessário considerarmos seriamente a possibilidade do restabelecimento da economia, já que esse problema pode causar aos mais pobres um impacto igual ou maior em número de mortes.
Referências
- Kraemer et al 2020. The effect of human mobility and control measures on the COVID-19 epidemic in China. Science. DOI: https://doi.org/10.1126/science.abb4218
- Hellewell et al 2020. Feasibility of controlling COVID-19 outbreaks by isolation of cases and contacts. The Lancet. DOI: https://doi.org/10.1016/S2214–109X(20)30074–7
- Granados, J., A. T.; Roux, Ana, V., D., 2009. Life and death during the Great Depression. PNAS. DOI: http://dx.doi.org/10.1073pnas.0904491106
- Laliotis et al 2020. Total and cause-specifi c mortality before and after the onset of the Greek economic crisis: an interrupted time-series analysis. The Lancet. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S2468–2667(16)30018–4
- Hone et al 2019. Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities. The Lancet. DOI: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30409-7
- Menezes et al Pre Print. BRAZIL IS PROJECTED TO BE THE NEXT GLOBAL COVID-19 PANDEMIC EPICENTER. medRxiv. DOI: https://doi.org/10.1101/2020.04.28.20083675
- Matéria CNN Brasil (13/04/2020). Link: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/04/13/economia-pode-encolher-ate-7-em-2020-por-coronavirus-diz-estudo-do-ibre-fgv